segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

A arquitetura militante de Oscar


"Camus diz em 'O Estrangeiro' que a razão é inimiga da imaginação. Às vezes, você tem de botar a razão de lado e fazer uma coisa bonita.
"
 Oscar Niemeyer


Continuando no tema icones da arquitetura, essa semana não poderia deixar de prestar minha homenagem ao polêmico e hoje, memorável Oscar Niemeyer.

Antes de defender meu ponto, e de compartilhar minha singela opinião sobre este incrível arquiteto, é preciso definir em que consiste a linguagem arquitetônica.


Antes de ser uma obra de arte, uma construção possui uma utilidade material: ela supre uma necessidade determinada de seu usuário (morar, estudar, trabalhar).

O objeto construído satisfaz uma carência do consumidor. Mas, além desse valor-de-uso material, a construção pode comportar ainda uma utilidade ideal: o objeto pode despertar a atenção de um segundo consumidor, diferente do primeiro - o contemplador. 

 Para este, a obra arquitetônica não vale por suas qualidades funcionais, mas por suas propriedades estéticas: em vez de ser "boa para morar", ela é "boa para pensar". A construção é um objeto para a vida, mas a arquitetura é um objeto para a reflexão. A obra encerra uma contradição entre funcionalidade e beleza.

A primeira é um valor-de-uso material para o usuário; a segunda é um valor-de-uso ideal para o contemplador.

Segundo Kant, a beleza deriva tanto da positividade como da negatividade: a primeira é o fundamento do belo; a segunda, do sublime. O ser é belo, o não-ser é sublime. Enquanto o belo é um prazer positivo, o sublime é um prazer negativo, que deriva da contemplação de algo que, em princípio, provoca desprazer.





Uma crítica recorrente às obras de Oscar Niemeyer é a de que, a despeito de suas qualidades formais, elas seriam difíceis de habitar: suas construções não primariam pela funcionalidade. 

As restrições são antigas e, por mais exageradas que possam ser, não deixam de encontrar respaldo na práxis do arquiteto, que subordina a habitabilidade à beleza plástica. Ou, como diz Niemeyer: "Toda forma capaz de criar beleza tem na própria beleza sua principal função" . 

Ao explicar seu trabalho, o artista afirma que sempre procurou criar formas novas para só depois buscar as razões funcionais que as justificassem.


Contudo essas razões nem sempre eram justas e, desde os primeiros projetos, muitos problemas têm sido apontados: espaço interno sacrificado, disposição invertida, ventilação inadequada, iluminação insuficiente, acabamento defeituoso . De fato, a área interna dos edifícios nunca foi a prioridade do arquiteto, mais preocupado com seu aspecto externo.


Nisso reside sua verdade arquitetural. Mas o desprazer provocado pelo edifício choca o visitante, que dele esperava exatamente o contrário.

O contemplador percebe então que a essência da obra arquitetônica se distingue radicalmente de sua aparência. O prédio não é o que parece: aparenta ser uma fonte de prazer, mas de fato só provoca desconforto.

A face externa é positiva, mas a interna é negativa. É belo e, no entanto, é ruim. O contraste entre a aparência e a essência da obra denota a oposição entre a aparência e a essência do capitalismo, uma sociedade cujo marketing é muito superior ao produto vendido. 

Uma formação social que elogia a liberdade e igualdade, mas que sobrevive à custa da repressão e da desigualdade; que promove a acumulação da riqueza afundando na miséria a maioria da população mundial; e que defende a democracia, na qual os não-proprietários só têm o direito de eleger os proprietários que irão governá-los. Esse é o conteúdo material da obra de Niemeyer.

A obra de Niemeyer revela uma coerência notável em relação à sua militância política. Tanto seu conteúdo material (a disfuncionalidade) como sua forma material (o espaço curvo) mostram que ele sempre foi um contestador, no plano estético, das imposições técnicas e estilísticas do capital. 

O predomínio da forma sobre a função, do espaço externo sobre o interno, da linha curva sobre a reta convergem no sentido de pôr em evidência os efeitos nefastos do capitalismo sobre o homem e de combater a subordinação da arquitetura à lógica capitalista. Não resta dúvida de que estamos aqui muito distantes do realismo socialista. Mas quem disse que existe um único caminho para expressar o comunismo na arquitetura?
Se isso não ocorre na literatura, por que não deveria ser assim nas artes plásticas? O comunismo pode ser dito de muitas maneiras e a vida de Niemeyer é uma delas.







Um símbolo de criatividade e irreverência!
As cidades sentirão falta de seus monumentais espetáculos.

Adeus Oscar!



Notas:
Niemeyer, Oscar - "As Curvas do Tempo - Memórias"
Puls, Mauricio - Arquitetura e filosofia”.



Um comentário:

  1. Divirjo em alguns pontos importantes. Não fique zangada comigo, é meu estilo. Caso Niemeyer tivesse curtido suas fantasias às suas custas, nada a comentar. Mas o fez às custas de governos de esquerda, tanto quanto saiba sem concorrência, e suas especulações, suas fantasias, causaram, causam e causarão enormes prejuízos aos que pagam imposto, ao povão. Então, é o homem que tem que ser julgado, e não somente sua obra. Sob esse ultimo aspecto, nada a acrescentar, gostei muito de suas observações.

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